Entrevista com Sinergia

  1. Primeiramente, gostaria que se apresentasse pessoalmente e profissionalmente da maneira que deseja.

Eu sou a Lumen, Travesti, Major da Polícia Militar de Santa Catarina e professora voluntária de matemática no Projeto Integrar. Casada com Lisiane, também sou mãe de 3 crianças maravilhosas. Gosto de programação e redes de computadores. Também sou motociclista e sempre que tenho um tempo livre saio para dar uma volta. Moro em Santo Amaro da Imperatriz com a família e juntas somos tutoras de 3 gatos e uma cadela.

  1. Como Major, você ocupa um dos principais cargos na hierarquia da PM. Ao longo de sua ascensão de patentes houve tamanha dificuldade como a encontrada agora?

Não, claro que não. Como o processo de promoção envolve alguma concorrência, nem todas as oportunidades que me candidatei, fui promovida, o que é perfeitamente normal. Mas mesmo assim outras vezes cheguei a ser promovida no tempo mínimo. Agora, praticamente dois anos de atraso, sem sequer ter sido avaliada, é a primeira vez.

  1. Existe um limite de vezes que se pode tentar subir de patente? Quantas vezes você tentou o posto de tenente-coronel?

Não existe, assim que se completa os requisitos, normalmente tempo no posto ou algum curso específico, o Oficial já pode começar a se habilitar. Então é perfeitamente normal, quem acabou de completar os requisitos, não conseguir ascender na primeira vez por ter pessoas com maiores pontuações na frente. Mas este não é o meu caso, eu sou a primeira da lista pelos critérios objetivos e a pessoa com maior pontuação desde maio de 2022. Somando todas as tentativas de promoção, chegamos a 8 vezes em sequência.

  1. Conhece algum caso de Major que tentou ser tenente-coronel e recebeu tantas recusas como você?

Não tenho essa informação com precisão. Mas sabemos que houveram de outros oficiais que tiveram recusas em sequência, mas isto sempre esteve vinculado a alguma conduta muito grave por parte destes, como crimes ou transgressões disciplinares. No meu caso, não é citado em nenhum momento qualquer conduta minha. A alegação é sempre genérica e superficial. E não aponta nenhuma ação ou omissão para que eu possa me defender ou mesmo tentar corrigir. Não consigo imaginar que a razão seja outra que não a transfobia. E por isso não podem apresentar fatos concretos.

  1. Com 26 anos de serviços prestados à PM, como você recebeu a informação da 8° recusa de promoção e da aposentadoria compulsória?

Eu me senti injustiçada. Como das outras vezes. Mas essa sensação é um crescendo. Cada vez parece pior. Eu não quero acreditar que alguém na corporação considere certo esse tipo de atitude, mas para isso eu também preciso acreditar que alguém está fazendo isto de forma consciente e sabendo que é ilegal e antiético. Claramente a PM não me que nas suas fileiras. E menos ainda me quer Coronel.

Já sobre a aposentadoria compulsória, eu fiquei muito angustiada. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento jurídico percebe que este processo é absolutamente descabido. Se a decisão fosse técnica, o conselho não teria nem sua abertura cogitada. Mas, infelizmente, a decisão é politica, e o comando já deu mostras de que me quer longe. Então eles vão usar de todos os recursos, mesmo contrários à lei, ou mesmo da lógica, para conseguirem. A esperança que me resta é que, com todo esse clamor popular, o governador se sensibilize e decida pelo arquivamento. Caso contrário serei obrigada a judicializar o caso, e aí serão mais longos anos sofrendo aguardando uma solução.

  1. Quais foram as justificativas para as negativas do Conselho de Justificação? Das 8 vezes foram as mesmas?

Embora estejam interligados, a não promoção e do Conselho de Justificação são questões e processos distintos.

A justificativa para as negativas de ascensão na carreira é, conforme transcrição: "(...) a referida Oficial PM não reúne, por ora, os atributos impostos quanto, particularmente no posto atual, a potencialidade para o desempenho de cargos mais elevados, a eficiência no desempenho de cargos de comando ou chefia, e o realce entre seus pares, requisitos os quais restaram considerados não alcançados (...)"

Como falado antes, não é apontado em nenhum momento nenhum comportamento, nenhum ato ou qualquer omissão da minha parte, impossibilitando melhorar ou mesmo questionar.

Já o Conselho de Justificação foi aberto usando como argumentação o fato de eu não ter sido promovida. Aparentemente, não ser promovida é considerada uma questão disciplinar na corporação.

  1. Como primeira Oficial travesti de um estado tão conservador como SC, como foi o início de sua transição de gênero dentro da corporação?

Essa foi uma das minhas gratas surpresas. Por mais incrível que pareça, o processo de transição ocorreu sem qualquer percalço ou conflito. Eu dei entrada para retificação civil de nome e gênero e assim que saiu a certidão de nascimento retificada eu entrei com o pedido de retificação junto à PM, o que foi prontamente acatado e tudo foi alterado em questão de poucos dias.

Eu também pedi ao meu chefe à época para convocar uma reunião com todos os integrantes da diretoria para ter oportunidade de apresentar a todos, de forma respeitosa, a minha nova situação, como deveriam me chamar, quais os meus pronomes e porque isso estava acontecendo.

Eu estava super nervosa no dia, mas deu tudo certo, todos foram muito acolhedores, mesmo sendo algo muito novo na vida deles.

Então, tirando a perseguição institucional, a receptividade individual foi ótima entre meus pares.

  1. Qual a sua expectativa para a sequência dos processos, tanto para manter-se na ativa quanto para ascender de patente?

Eu acredito que o Governador vai se sensibilizar com a questão, compreendendo o caráter preconceituoso do processo e determinar seu arquivamento. É a postura mais ética a ser seguida, que além de tudo ainda demonstraria que o Estado não tolera nenhum tipo de opressão, ainda mais originada na Polícia Militar, que órgão deveria ser justamente o garantidor da cidadania.

Sobre a promoção, tenho certeza que com a finalização do Conselho, não vai restar mais nenhuma justificativa, cabível ou não para que eu não seja avaliada. Penso que a partir desse ponto a promoção seja inevitável.

  1. Se tiver algo para pontuar/informar/sugerir ou até mesmo desabafar, por favor, fique à vontade neste espaço das perguntas para isso.

Eu gostaria de agradecer todo o acolhimento que o Sinergia tem me dado. Eu não esperava que o caso tivesse essa repercussão, nem que eu fosse receber tamanho apoio de tantas pessoas. Esse suporte só me faz ter certeza que estou no caminho certo e que minha luta não é só por mim, mas por todos o que desejam uma sociedade justa e igualitária.

  1. Caso tenha uma foto sua favorita, por gentileza, pedimos que nos envie para que possamos anexar na diagramação da sua matéria no jornal.